quarta-feira, 25 de maio de 2011

A formação da brasilidade alimentar

Para que gosta de comida e história, achei este texto bem interessante.
Ele foi publicado no jornal da USP.
Diante dessa “penúria alimentar”, os portugueses instalados na colônia tiveram de fazer adaptações para garantir sua sobrevivência. Assim, passaram a apreciar o tatu e a paca, comparados ao coelho europeu, e a comer pombas, melros e urus, cujo gosto se assemelhava ao das perdizes. “Muitas frutas que se apresentavam estranhas aos olhos do estrangeiro, como a jaca, o abacaxi e o caju, passaram a fazer parte da mesa colonial.” Num segundo momento, diz Rosemeire, essa adaptação consistiu na substituição dos ingredientes europeus pelos nativos. Ao invés de maçã, usava-se a banana para fazer tortas e mingaus. O mamão verde e o coco faziam as vezes da maçã, da pera e do pêssego, enquanto a jabuticaba e o amendoim substituíam a cereja e a ameixa.
A mistura de elementos europeus, africanos e indígenas na cozinha colonial deu origem a pratos até hoje servidos nas mesas brasileiras. Na tese, Rosemeire conta que, em meados do século 17, os portugueses trouxeram da África para a colônia uma planta que se adaptou rapidamente ao ambiente e se espalhou por todo o nordeste brasileiro. Uma novidade para os europeus, que dela extraíam o óleo para usar como combustível, a planta já era velha conhecida dos negros africanos, que a utilizavam na culinária — era o azeite-de-dendê. “Daí para frente foi muito simples: as negras e os negros que trabalhavam na cozinha dos senhores de engenho só tiveram que adaptar ao paladar dos senhores as preparações com pitadas africanas”, escreve Rosemeire, lembrando que, ao ser introduzida na cozinha da casa-grande, a negra deu origem a uma comida “misto de portuguesa e africana”. “Hoje, o azeite-de-dendê é, talvez, o ingrediente mais importante da culinária dita africana no Brasil.”
Como aconteceu nas fazendas produtoras de açúcar, nas regiões das minas a adaptação às condições de alimentação também gerou pratos agradáveis ao paladar do brasileiro do século 21. “Os portugueses, radicados nas regiões mais centrais da colônia, acabaram apresentando, na obtenção de seus gêneros alimentares, algumas características indígenas”, revela Rosemeire. “A cozinha passou a compor o prato dos ‘mineiros’ com alimentos resistentes, fáceis de serem cultivados sem muito trabalho na agricultura, além das carnes salgadas.”
Entre esses alimentos estava a mandioca, consumida na forma de farinha. Com ela, os mineiros aprenderam a fazer todas as preparações indígenas à base de mandioca, como beiju, biscoito, bolo, mingau e pirão. O milho servia para preparar pipoca, curau, pamonha, cuscuz e canjica, além do fubá — o milho seco finamente ralado, com que se fazia o angu. “Esse cozido, o angu, representa até hoje um dos pratos mais típicos de Minas Gerais, sendo apreciado de várias maneiras.” Já a couve, consumida refogada só rasgada, pura ou dentro do angu, era a única verdura apreciada pelos mineiros do século 17. Hoje, é outro prato típico de Minas, conhecido até como “couve à mineira”.
Um trecho da tese de Rosemeire é dedicado ao intercâmbio de alimentos entre a colônia portuguesa na América e outras regiões do planeta, que também contribuiu para a formação dos hábitos alimentares do Brasil colonial. A autora conta, por exemplo, a trajetória do café, produto de que o Brasil se tornaria, no século 19, o maior exportador do mundo. Fruto da Coffea arabica, uma planta originária das montanhas da Abissínia, na Etiópia, o café foi levado dali para a Arábia, onde os grãos eram torrados e fervidos na água para ser consumidos. Da Arábia ele passou para o Cairo e alcançou Constantinopla. Ali ele foi adquirido por comerciantes venezianos, que o levaram para a Itália. Em Veneza o café ganhou sua forma definitiva: “Os italianos não gostavam de comer a borra do café turco. Pensaram que talvez fosse possível separá-la, por meio de um tecido ou filtro. Nascia o coador de café. Daí para frente, na forma de bebida revigorante, ganhou o mundo.”
A colônia também deu sua contribuição para o mundo na arte culinária. Comerciantes portugueses e espanhóis transportaram para a Europa e a Ásia produtos como o milho, a batata-doce, o tomate e a mandioca, que se tornaram elementos básicos das cozinhas de vários países. “Contudo, dentre todos os alimentos oriundos das terras americanas, os mais importantes talvez sejam a batata e o cacau.”


Rosemeire: a trajetória da culinária brasileira





http://www.usp.br/jorusp/arquivo/2002/jusp599/pag06.htm

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